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Preta, rasa e sem conteúdo!!!

Categoria(s): | Publicado em: 5 de maio de 2015

Foi essa frase que ouvi há mais ou menos quinze anos da “maluca-da-ONG” onde eu trabalhava. Isso aconteceu porque, como atriz, interpretei o papel de uma empregada doméstica caipira no Ato de 4, um dos muitos projetos da Escola de Teatro. Rolou um babafá quando um dos alunos, também negro como a de cá, se sentiu ofendido com a cena e foi pra sala de aula reclamar. Aí, a “maluca-da-ONG”, que também era a professora do tal aluno na Universidade, levou tal questão pra entidade.

Eis que, num belo dia, sou convocada para uma reunião surpresa e de emergência com todas as coordenadoras da tal ONG. Dentre as várias coisas que elas me questionaram,  foi como estava minha questão negra (Oi?). Me deram uma aula sobre a história da escravidão no Brasil e me disseram que ser negro era uma construção (Só um parentese para esclarecer que todas elas eram brancas. Então… Rumrum). E, por fim, a maluca me perguntou se eu já tinha sido discriminada alguma vez na vida. Surpresa, citei aquele momento, quando elas me colocaram numa roda, onde eu estava me sentindo completamente discriminada. Eu queria questionar quem era ela pra me fazer aquele tipo de abordagem, se nunca tinha visto nenhum trabalho meu, não sabia os personagens que eu já tinha feito na vida e muito menos tinha visto a bendita cena. Mas não consegui. E pra arrematar o “momento-oi?”, ela me disse que eu era rasa, sem conteúdo e que precisava me aprofundar.

Meses depois, saí da dita ONG me fingindo de louca e dizendo que precisava me dedicar mais aos meus estudos na Faculdade. Mentira. Eu já tinha desistido daquele espaço há muito tempo e não tinha consciência. Confesso que, mesmo guardando mágoa durante alguns anos, consigo até entender esse texto uó daquela doida.

Eu realmente fui rasa. Não disse um NÃO na hora que deveria. Não fui sincera, não fui clara, não bati de frente. Ao invés disso, preferi ser burocrática, sem paixão e fui levando o barco. Sinceramente? Eu não acreditava mais nas propostas daquele projeto, nem tão pouco nos textos dos principais envolvidos. Por isso, não eram eles as pessoas apropriadas para me fazerem esse tipo de questionamento. Esse negócio de “Venha, eu sou legal e vou te ajudar a ser multiplicador, a ser profundo…”, não me convenceu. Mas deixei levar.

E assim aconteceu em outros momentos de minha vida. Momentos em que desisti das coisas , das pessoas ou nunca as quis, mas por algum motivo, segui mesmo assim. Não era enfrentamento. Esse é bom. Era só comodismo. Isso até o dia que minha preta-mãe partiu. Sabe aquele medo que a gente tem de perder algo precioso? Medo de se mostrar e não ser bem recebida? De se jogar e não ter quem te pegue? Pois sempre tive. Mas de repente esse medo se foi com minha preta. O exercício do NÃO tornou-se frequente em minha trajetória e muitas vezes quando quero ponderar e pergunto “Por que NÃO, Patrícia?”, me respondo logo “PORQUE NÃO. E NÃO É NÃO!” O que pode parecer duro, louco e radical, em determinados momentos, é libertador e faz bem.

O que é ser profunda finalmente? É saber quem eu sou? De quem fui feita? Como estou e para onde vou? Ou repetir o texto que muitos gostariam que eu dissesse ou até mesmo eu gostaria de dizer? Durante muitos anos tive vontade de dizer muitos “NÃOs“, mas NÃO os disse por falta de coragem ou de consciência mesmo. A “maluca-da-ONG” até que me ajudou. Eu deveria  ter começado o NÃO por ela. Deveria ter dito NÃO quero mais essa ONG em minha vida, porque ela nunca me representou PROFUNDAMENTE (kkkk).

Eu deveria ter dito NÃO a Assistência de produção que fiz à dois espetáculos, quando os diretores achavam que produção era sinônimo de escravidão. Eu NÃO tive coragem de abandonar sozinhas as duas amigas produtoras do projeto. E SIM, eu sou uma boa amiga. E SIM, eu tenho problemas com a SUBSERVIÊNCIA. Trabalhar é massa, respeitar hierarquias também. Mas escravidão, NÃO, NÃO.

Eu também deveria ter dito NÃO, eu não quero fazer aula de treinamento para atores, porque, embora eu considerasse a turma boa,  amiga, os professores ótimos e a oportunidade única, naquele momento eu só queria perder meu tempo ganhando dinheiro, pagando minhas dívidas e curtindo meu recente namoro. Além de tudo, NÃO, eu não queria fazer musical. Ah, e deveria ter dito a professora de canto, NÃO, eu não vou cantar essa música pra essas pessoas, porque a senhora não teve tempo de treinar comigo  e eu não quero me expor. Além disso, eu também NÃO sei se quero cantar essa música.

NÃO, eu não quero fazer essa peça que eu idealizei com minha amiga agora, porque embora toda equipe fosse querida e dedicada, nós não tínhamos um texto e o arremate que fizemos não era o que queria falar. E o projeto era meu, tinha que ser como eu queria.

É claro que pra quem precisa pagar essas contas, muitos desses NÃOs foram apenas utopias. Eu queria, mas não disse. Nem NÃO, nem SIM. Fiquei no meio. BUROCRÁTICA. Pelo dindim, pela amizade, pra não ferir ninguém, por me sentir culpada ou qualquer outra bobagem. Fiquei no meio. Rasa. Rasa mesmo. A “maluca-da-ONG” tinha razão.

É por isso que hoje em dia o NÃO vem antes do SIM, mesmo com todo perigo que ele apresenta. Mas também digo muitos SIMs. SIM dei recentemente para Hawaii…  Não vim pra cá fugida, não vim por falta de trabalho, não vim atrás de “gringo”, não vim pra ser sustentada… Vim porque quis, vim por amor. A mim e a alguém. E pela vontade de amar Hawaii também. E mesmo com os milhares de desafios que tenho enfrentado, estou bem. Não disse SIM só a praia, ao mar, ao clima bom. Isso Salvador tem também. De onde eu vim também tem paraíso, né? Então, a minha busca está bem além de minhas “amostrações” no facebook.

E pra fechar o pacote desabafo, quando minha avó partiu, seis meses após minha mãe, outras lacunas se abriram. De que parte da África meus parentes vieram? De que parte de Portugal vieram os outros? Nada  a ver com esse “QUEM SOU?” adestrado de ONG de gente doida. O meu QUEM SOU EU é meu. E o que EU SOU, PRA ONDE VOU e COM QUEM EU VOU, é meu também.

O resto é chorôrô pra conseguir patrocínio.

E hoje nem quero falar do caso segurança da farmácia !!!

Licença !!!

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