A Rainha do Katwe
Lupita Nyong’o (ganhadora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por “12 anos de escravidão”) é uma das estrelas do filme “Rainha do Katwe”, filme da Disney, baseado na história real de Phiona Mutesi, hoje com 20 anos, uma menina pobre de Uganda, que se torna campeã em jogo de Xadrez.
Phiona, que na vida real tem 20 anos, é uma menina criada pela mãe em Katwe, um bairro pobre da capital ugandense, Kampala, que, por falta de dinheiro, se vê obrigada a largar a educação formal. Mas isso não a impede de querer mais e traçar como objetivo se tornar uma das melhores jogadoras de Xadrez do mundo.
O filme é vibrante. Com uma direção de arte primorosa e detalhista, fotografia impressionante (real, real, real!), interpretações impecáveis (além da da diva Lupita como Harriet, mãe da protagonista, nós temos no elenco também a estreante Madina Nalvanga no papel principal e David Oyelowo – indicado ao Globo de Ouro, como o treinador de Phiona). O roteiro maravilhoso é de William Wheeler e a direção de Mira Nair. E a trilha, gente? Meu Deus! Uma trilha a La Disney! Uau.
Fico de cá imaginando a pessoa que, até então não tinha perspectiva de vida, sem oportunidades, se deparar com um esporte tão seletivo, fazer dele sua profissão e focar em ser a melhor.
Como artista, é o tipo do filme que dá vontade de estar, de fazer parte. E como negra, me senti honrada. É muito bom quando a gente se vê. E desde sempre, nós negros, nos acostumamos a não ter referências e nem ser referência. Só o fato de ser uma história sobre nós, com respeito, superação, positividade e sem fugir da verdade, interpretado por quem nos representa, já é mais do que motivo para celebrar. Principalmente, em tempos sombrios de “escolas de princesas”, que “ensina” que lugar de mulher é onde o homem quiser, ver uma menina negra empoderar-se, tornando-se rainha de si, graças a um talento positivamente abordado, é pra gente ficar otimista e renovar a esperança.
E eu celebro mesmo. Celebro, aplaudo e compartilho. Ponto Walt Disney. Que venha mais!
O filme, que estreou aqui nos Estados Unidos em Setembro e vai estrear no Brasil em 24 de Novembro. Aprecie e muito !!!
Quer ver o trailer?
REPRESENTATIVIDADE : PAQUITA PRETA?
“QUEM NUNCA QUIS SER PAQUITA?”
Essa é a frase que mais a gente ouve quando lembra das meninas vestidas de soldadinhos, que trabalhavam com a apresentadora Xuxa Meneghel, em seus programas, nas décadas de 80 e 90. Pois é. A de cá também teve esse sonho básico. Ridículo? Claro! Cafona? Também. Mas tive, sim. A de cá desejou, inclusive, ter nascido loira, só pela chance de ter vivido naquele mundo. Acontece que a de cá também nasceu com a paleta calibrada, os cabelos crespos e numa realidade completamente distante disso. Porém, nada disso, felizmente, me fez uma criança triste. Pelo contrário. Só me transformou numa adulta que cuida para que as crianças negras de agora cresçam com outras referências. As suas referências. Com pessoas que as representem e a façam se orgulhar de si mesmas.
Ontem, encontrei o vídeo Cores e Botas, sobre Joana, uma menina que sonhava ser Paquita. Um belo filme, que retrata bem o que tantas passaram e ainda passam, quando não se veem e querem se inserir num mundo que também não as enxergam.
Cores e Botas (Colors & Boots) from Preta Portê Filmes on Vimeo.
Na minha época, negros na TV, não passavam da cozinha ou pertenciam ao folclore brasileiro. Eram Tia Anastácia, Tio Barnabé e o Saci do Sítio do Pica Pau Amarelo, os escravos de A Escrava Isaura e poucos outros no mesmo seguimento. Apresentadoras infantis? A maioria era loira. A única morena era Mara Maravilha. Mas a “cachaça” de todo mundo mesmo era Xuxa. Ela, sim, povoava o imaginário infantil. Com suas frases de efeito, canções, nave espacial, botas, xuquinhas, especiais de fim de ano e um séquito que nos fazia acreditar que aquele era o mundo perfeito. Todo mundo queria pertencer aquele sonho, fazer parte daquilo tudo.
As meninas “sortudas” que trabalhava com ela, eram todas loiras. E, quando entravam morenas, em pouco tempo, tornavam-se loiras também. Negras?! Nunca vi. Soube até de uma que participou de um programa fora do Brasil, mas nunca foi devidamente oficializada.
Eu preferia ficar ali, fantasiando, colocando toalha na cabeça, fingindo ser meu cabelo, comprando botas, discos e brincando de copiar as coreografias, colecionando fotos, reportagens, indo a shows, querendo estar próxima, mesmo sem estar. Eu até ganhei 6 meses de assinatura da revista em quadrinhos da Xuxa, por ter desenhando vários modelos para ela, num concurso promovido pelas editoras Globo. Na verdade, ganhei uma raquete e me mandaram a assinatura. O bom é que nunca parei de viver, nem me achei um lixo por isso. O babado era que as minhas referências eram loiras, os meus exemplos tinham os olhos claros, os cabelos lisos, a pela clara… Eu queria ser, queria ter, mas nunca me revoltei com o que eu era. Não que o meu fosse inferior, era aquele que me era vendido como O PERFEITO. E quem não quer “a perfeição”?
Se engana quem pensa que vim aqui falar que tenho raiva de tudo isso. Pelo contrário. Guardo como lição. E, como já anunciei, faço questão de tentar construir um mundo com mais referências para as crianças negras que estão chegando. Quero que elas encontrem a representatividade que eu não tive. Que se vejam, que se enxerguem, que se orgulhem. Que não precisem mudar para se adaptar. Que tenham orgulho do seu crespo, de suas tranças, de seu tom de pele, da cor dos seus olhos… Que sejam o que são, com dignidade e propriedade. Eu sou quem eu sou, porque, felizmente, tive pais empoderados que, apesar de terem me apresentado ao mundo numa época em que os meus não eram tão meus, em que as referências eram distantes das minhas, nunca permitiram que eu deixasse de me orgulhar de mim. Me criaram para me achar. E eu me achei. Apesar da demora. Tive que entrar na Faculdade, tive que estar em contato com muitas Patrícias, para finalmente me encontrar. Acho que até hoje estou me encontrando. Mas já sei quem sou. Tenho orgulho da minha paleta e não gostaria de ter vindo a esta vida de nenhum jeito que não fosse o meu.
Esse empoderamento é um processo árduo. Hoje, existem outras “Xuxas”, outras fórmulas que querem afirmar que não pertencemos a este mundo, embora estejamos nele. Hoje podemos ver mais negros na TV, no cinema, na vida, porque fomos nos impondo, nos colocando, fazendo “na tora” com que nos enxergassem. Agora “quem é que quer ser Paquita?”. Em 2016 nós queremos e precisamos mais é ser nós mesmos. A gente não precisa pintar nossa pele, nosso cabelo, nem se esconder atrás de sonho de ninguém, nem não pouco acreditar em frases feitas e hipócritas. TUDO PODE SER MESMO, mas NÃO PRECISAMOS de ninguém de xuquinha pra nos avisar. A gente sabe. A gente quer. A gente precisa É SER quem a gente É. E a gente vai. Sem favor.
Hoje temos Taís Araújo, Lazaro Ramos, Sabrina de Paiva (Miss São Paulo), Cris Vianna, Sheron Menezes, Érica Janusa, Érico Brás, Luiz Miranda, Fabrício Boliveira, Barack e Michelle Obama, Rihanna, Beyoncé, as blogueiras Tati Sacramento, Gabi Oliveira, Aline Custódio… E, graças a Deus, tantos outros dispostos e aptos para darem um up nessa nova realidade. Somos muitos. Os desafios são muitos também. Mas nós estamos, nós sabemos, nós queremos e não aceitamos mais que nos coloquem num lugar que não seja o nosso. Não que ser empregado seja indigno, não que a escravidão não tenha feito parte de nossa história, mas nós já estamos em todos os lugares. Mesmo que muitos ainda lutem para que não. Nós estamos. E não vamos mais voltar.
Muitos pretos, todos pretos, atores, cantores, modelos, miss, escritores, presidentes, advogados, bloggers, humoristas… Em todos canto !!!! #Vraaaaa PORQUE REPRESENTATIVIDADE IMPORTA, PORQUE REPRESENTATIVIDADE É ISSO. E tem mais, muito mais !!! Venha de lá !!!